segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Eu nunca mais vou voltar.

por Tati Bernardi

Eu prometi voltar mais magra, de cabelos longos. Prometi voltar agora dominando saltos altos e caríssimos. Sem medo do saltinho fino entrar em algum buraco da rua ou da vida. Jurei a mim mesma que voltaria sem essa mancha na minha bochecha direita e com um gosto melhor para calças jeans. Combinei que na minha volta eu estaria com a voz mais firme e sexy. E que eu jamais usaria decote porque voltaria mais elegante e mulher. Combinei que usaria um perfume diferente e uma postura diferente. Talvez eu chegasse com um carro novo e, com muita sorte, um novo amor. Talvez livre de todos os meus pêlos e dores no ombro e buraquinhos na bunda. Talvez livre de mim, afinal.
Em silêncio, finalmente. Aceitando quem eu sou, sem essas 345 mulheres que brigam aqui dentro da minha cabeça. Mais rica, mais segura, mais amada, mais viajada, mais feliz. Falando francês, falando sem as mãos estabanadas, falando sem medo das ruguinhas que formam no canto dos meus olhos. Falando sem acariciar frustrada uma zona irregular que separa minha cintura da perna. Eu voltaria mais redonda e mais magra, numa mistura que só quem é mulher entende. Eu calaria a boca de todos que levaram minha luz e me deixaram na escuridão. Melhor: eu cegaria os olhos desses com uma luz que eles não seriam capazes nem de chegar perto.
Dos amigos que sempre tiveram medo da minha verdade, quando deveriam, na verdade, ter medo da mentira que faz o mundo parecer tão fácil de se viver. E os faz parecer tão incríveis e eu tão estranha. Olha lá ela. Eles diriam. Quem é ela? Não parece mais ela. O cabelo tomou jeito. O pé não cai mais para dentro. O bumbum arrebitou. A voz é de seda e deixa tudo no mistério. Ela não se escancara mais. E assim eu voltaria. Sem precisar de ninguém, sem precisar de ombros, das mãos, do beijo, da aceitação e das respostas de ninguém.
Eu prometi voltar. Acordei todos os dias caminhando para essa volta. Me esfreguei no banho prometendo, esperando o dia em que eu trocaria de pele e sairia voando. Ouvi músicas e vi filmes de vitória, sonhando com o dia. Decorei falas, roupas, olhares, cheiros. Mas, infelizmente, isso nunca vai acontecer.
Quanto mais eu me aproximo do que seria a minha volta, mais longe eu estou de querer voltar. Quanto mais eu me recupero do que doeu tanto, menos vontade eu tenho de causar dor em alguém. Esse desejo incontrolável de voltar é apenas a vida me dizendo para andar pra frente e não voltar nunca mais.



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