Roger Chartier, grande mestre da
história da leitura, e de quem eu me tornei fã, disse que esquecemos e
esqueceremos nossas leituras e aprendizagens por estarem apoiadas nessa coisa
tão passageira, frágil e vadia que é a nossa memória. Mas ele também diz que,
opostamente a isso, está a escrita, que acumula, estoca, registra e resiste ao
tempo.
Baseando-me em Chartier,
apresento este trabalho que tem por finalidade maior não esquecer coisas que
estão na minha memória, passando-as então para esse arquivo, para esse novo
“local de memória”, que é a folha cybernética na qual eu agora escrevo.
Ontem eu reli umas
“aprendizagens” que, segundo dizem, foram de Shakespeare. Será? Não sei. Mas
mesmo que não tenha sido ele, com certeza foi outra pessoa, e se pelo menos uma
pessoa aprendeu realmente o que foi dito, então ela ganhou uma vida nova.
Eu também ganhei vida nova esses
dias [um viva pra mim, por favor?]; me libertei de uma prisão que eu sempre
soube que existia, mas que eu achava que era necessária para poder ser uma “boa
moça”. Besteira. E uma primeira coisa que posso dizer que aprendi [ou que
compreendi] é que aprisionei pessoas junto comigo, porque para elas chegarem
até mim, teriam de entrar na minha... jaula? Ok. Sem muito drama.
Por falar em drama, posso dizer
algumas coisas que aprendi sobre drama. Parece que ele faz sentido em alguns
momentos da nossa vida, quando sofremos principalmente, e que é uma maldade
muito grande exigir que as pessoas engulam seu choro e vivam como se nada
tivesse acontecido com elas. Mas... eu aprendi também que os problemas que
geram nossos dramas tem exatamente o tamanho, a profundidade e a largura que
damos a eles. Às vezes, ou sempre – para muitas pessoas – nos concentramos
tanto num problema, olhamos tanto para ele que parece que ficamos hipnotizados;
nossa visão fica turva e tudo começa a parecer maior do que realmente é. E
parece bobo e óbvio o que vou dizer, mas um problema vai ser sempre um
problema, enquanto só o tratarmos como problema.
Ainda dentro do contexto drama,
me reporto ao meu maior drama, e que exatamente por ele ser MAIOR e MEU, é que
tenho autoridade e autonomia para falar dele [talvez não tanto sobre ele..
ainda estarei sempre aprendendo]. Eu era quase a Chapeuzinho Amarelo, de Chico
Buarque. Cresci e me apoiei no medo para fazer quase tudo nessa minha vida.
Descobri que o medo suga nossas forças, tira a nossa alegria, o nosso vigor,
amarela nosso sorriso, afrouxa nosso abraço, descompassa nossa caminhada. Por
causa do medo, a gente sente [do
verbo sentimento] estranho e até
errado. O medo atrasa nossa vida, nos impede de tentar, e quando conseguimos
uma forcinha para arriscarmos alguma coisa, estamos tão cheios de medo, que
acaba dando tudo errado, mesmo com todo o desejo do nosso coração de que aquilo
dê certo. Se nós temos medo de machucar uma pessoa, então iremos machucá-la. Se
temos medo de errar com ela, provavelmente é o que vai acontecer; se temos medo
de amar, ficaremos perdidamente apaixonados; se não queremos que ela descubra
nossos defeitos, ela os descobrirá antes mesmo da maioria de nossas qualidades.
E mais do que isso e do que os outros, se a
gente tem medo de tentar, de arriscar, de dar nossa cara a tapa, de ser o que
deveríamos ter sido se o medo não nos impedisse, a gente atrasa a nossa vida e,
em muitos casos, para de viver. O medo rouba nós de nós mesmos, acaba com nossa
personalidade, nosso lugar no mundo. Se a gente não parar de ter medo de se
envolver com medo de sofrer, com certeza jamais teremos o que dizer para nossa
posteridade, no final da nossa vida – se é que iremos chegar lá, com tanto medo
de viver[Jabor mexeu comigo]. Aprendi que quebrar a cara, chorar, sofrer, rir,
se divertir, amar – e deixar ser amado, o que para muitos, dentre os quais, eu
mesma, é até mais difícil... tudo isso, faz parte da vida.
Uma vez eu acreditei que se uma
pessoa realmente me amasse, ela não me faria sofrer, e nem eu a ela. Acreditei
que era só um e outro tentar ser perfeito e agir com a máxima perfeição que
ninguém se machucaria e todos seriam felizes para sempre. Uma vez eu acreditei
que o “felizes para sempre” era a mesma coisa que “felizes sempre”. Contos de
fadas são verdadeiras armadilhas sentimentais e linguísticas.
Uma vez me ensinaram que amor não
era só um sentimento, mas mais do que isso, era uma prática. Pelamordedeus, eu
sou nova e boba ainda, e um dia posso contradizer o que digo agora, mas acho
que o verdadeiro amor se descobre em nós quando choramos e sofremos por alguém.
E se uma pessoa não está disposta a passar por isso, então ela não vai
descobrir nunca o que é amar, pelo menos não profundamente [nota: sempre achei
a palavra profunda muito profunda,
mas profundamente é muito pior..
sinto que me perco nela].
Não sustento aqui que amor e
sofrimento são a mesma coisa, mas que um sem o outro não são plenos. “Não há
nada que nos faça amar mais uma pessoa quanto orar por ela”. E como isso é
verdade.
Aprendi também que a religião não
define caráter. Na verdade, esse negócio de religião é um beco sem saída. A
gente se martiriza por não trabalhar em algo na igreja, não porque aquilo faz
diferença para nós, mas porque faz diferença para nós não sermos como todos os
outros. Igreja é um lugar de vaidade. Assim como todo o resto do mundo.
Acredito que igreja é um lugar de salvação sim, deusquemelivre de desejar o fim
deste lugar, mas não posso omitir que igreja pode ser um lugar onde muita gente
se perde. E as pessoas não se perdem porque não são eleitas, não – salve,
presbiterianos! – mas porque não cuidamos delas, pensando em nós mesmos e na
nossa imagem. Todos queremos ser líderes; os mais responsáveis, os mais bem
quistos, mais bem vistos, os mais bem vestidos – e isso muitas vezes é o mais
importante -, os chamados, os da banda, os cantores, os dançarinos, os
populares, os amigos do pastor... e os que visitam só querem saber o que está
acontecendo. Não estou ressentida com a instituição IGREJA, mas estou
ressentida que em nome de toda essa vaidade e ideais mesquinhos, ela tenha me
mostrado um Deus que não existia. Um Deus que dizia – ou parecia dizer –,
paradoxalmente, que não eram as minhas obras que me salvariam, mas que eu
estaria perdida sem elas. Que me falava de graça com exemplos de lei. Que me
ensinou a julgar aqueles pecadores dos dançarinos, dos batedores de palmas, dos
bateristas, guitarristas, baixistas e muitos outros pobres istas que só queriam
adorar de uma forma mais alegre pra um Deus tão severo, que jamais sorriria ao
receber nossos louvores; apenas diria: “tá bonzinho, mas ainda não está
perfeito”. Estou ressentida porque me ensinaram que eu deveria buscar a
perfeição a todo o custo, mesmo que isso me custasse tudo. Me custou muita
coisa sim. Mas o Deus que nunca sorria, sorriu um dia pra mim, me acordou do
hipnotismo e eu caí nos seus braços sem força, meio desacordada, sem entender o
que estava acontecendo. Então, como eu disse, ele sorriu pra mim e disse: “está
tudo bem agora.. pronto.. passou..”. E alisou minha cabeça e me abraçou forte e
me pôs de pé e disse que cuidaria de mim pessoalmente a partir dali [obrigada,
Senhor pela vida do pastor Roy que foi usado naquele dia]. Talvez, eles nunca
descubram isso. Mas eu espero que sim.
Eu disse que aprendi. Mas talvez
seja melhor dizer que ainda estou aprendendo. Isso pode levar uma vida inteira.
E espero realmente que dure, porque parar de aprender é parar de viver. Quero
ser diferente, e quero ser melhor. Mas é impossível se tornar uma pessoa melhor
se não tivermos sido as piores primeiro.
Confesso que ainda tenho medo, e
que, provavelmente, ele vai estar presente sempre. Longedemim querer me tornar
a mulher maravilha, a super mulher, a rainha dos baixinhos, casar com o Ken [eu
sempre quis ter um, mas ele não faz mais meu tipo]. Mas a diferença entre “ter
medo” e “ter medo”, que não parece nenhuma, é que no primeiro, ou no segundo, tant pis, você o tem, mas o domina e o
utiliza para o bem [como, exatamente, eu ainda não sei, mas se eu não morrer
até lá, escrevo um livro sobre isso] e não permite que ele te impeça de
arriscar. O medo nos diz que podemos sofrer se arriscarmos. É lógico! Todo tipo
de risco tem conseqüências, mas deixar de tentar por medo...
eunãodigomaisénadasobreissodescubravocêsozinho...
Tenho aprendido também que amor é
uma coisa rara. Hoje as pessoas estão ocupadas e preocupadas demais consigo
mesmas para perder tempo com esse negócio falido. É melhor comprar um presente
que resolve tudo, não é? No Natal a gente fala de amor, afinal, estamos todos
de férias, sem nada mais importante pra fazer, então dá pra fazer uma
reuniãozinha, chamar alguns parentes, fazer algumas orações, trocar presentes,
comer até se fartar e depois dormir, e esperar mais 365 dias para a próxima
demonstração de amor.
Hoje o amor é DESCARTÁVEL.
Estragou? Arruma um novo.
Não deu certo com aquele(a)? Vai
aparecer outro, afinal, tem tanto homem no mundo... É muito mais fácil
esquecer, do que insistir no que se acredita.
Muita gente acha que o que vai
contra o amor é o ódio. Não penso assim. Pra mim, é a INDIFERENÇA. Quando
sentimos ou demonstramos ódio por alguém, pelo menos estamos demonstrando e
sentido algo por alguém. Mas quando somos indiferentes... não há nada que possa
machucar mais uma pessoa do que ignorá-la, fingir que ela não existe, que ela
não está ali, que ela não falou com você, por isso você não precisa responder.
Isso pode magoar tanto que pode haver causas irreversíveis.
Obrigada Shakespeare, ou
Severino, ou Juliana.... seja lá quem tiver escrito aquilo...